ENTRE O SONHO E A VIGÍLIA :
Fernando Lemos

  • ENTRE O SONHO E A VIGÍLIA
    Fernando Lemos

  • "Nós somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos 
    e nossa pequena vida cercada pelo sono”
    William Shakespeare


    "Sonhar é acordar-se para dentro"
    Mario Quintana
  • Fernando Lemos, Gesto emoldurado, 1949 / 52

    O importante é quando estamos dormindo, quando sonhamos, porque o sonho não oculta nada e traz o infinito.

    Esse é o grande potencial da fotografia, ela ser a afirmação, a evidência das coisas.

    Hoje sabemos que nossa vida está dividida em duas partes: metade dormindo, metade acordada. O importante é quando estamos dormindo, quando sonhamos, porque o sonho não oculta nada e traz o infinito. O despertar é a outra parte do dia. A parte do dia em que viver é o ofício. Essa questão é latente no trabalho. Quando estamos acordados, executamos tudo o que imaginamos. As coisas nos procuram. É um engano pensar que vamos atrás delas: são elas que vêm atrás da gente. A fotografia também é uma coisa que o homem foi procurar, mas ela depois veio à procura da gente.


    Só me interessei pelo surrealismo porque o sonho era exatamente o único território em que não havia nada oculto. O sonho era para revelar, para despertar, não para esconder. A fotografia é uma desocultação. Toda a nossa ação na arte é desocultamento, ou seja, a procura daquilo que não existe, que está invisível, sob a forma de palimpsesto

     

    Na minha fotografia, particularmente nos retratos, trabalhei a sobreposição de duas camadas de imagens. Quando fotografamos uma pessoa, não estamos fotografando uma coisa fixa, uma máscara. Afinal, numa fração de segundo tudo muda. Mudamos nossa expressão a todo instante, subitamente, várias vezes. Então o retrato deve ser múltiplo, para dar mais vida à imagem. Nós não somos uma máscara. Ao refletir sobre essa questão, me pareceu lógico que tudo isso era uma coisa só. A camada para mim é uma sobreposição, uma transparência sobre outra. A singularidade do meu trabalho está no uso que faço da luz para destruir uma imagem com outra.

     

    Você pode ter uma intuição da cegueira, uma forma de imaginação que é do invisível. Você pode ser um conhecedor do invisível. A experiência da fotografia é um pouco isso. Tornamos visível o que lá permanece invisível. O invisível é um poder, uma posse, uma maneira de ser. Então toda essa filosofia me parece que é para o artista instituir um pouco dessa fantasia, dessa coisa que não é tão inventiva assim. Quando vejo uma imagem, vejo que ela já é a fotografia, então não vou fotografá-la. Dá um certo pudor copiá-la; tenho a impressão de que ela já se afirmou como fotografia. Isso quer dizer que a fotografia foi feita antes de a gente fazê-la. Ela está na natureza, e a natureza trouxe a fotografia à procura da gente. Tornou-se uma ciência que nos procura. É como a questão da memória. A memória também foi atrás da fotografia justamente porque precisava da imagem.

     

    Esse é o grande potencial da fotografia, ela ser a afirmação, a evidência das coisas.

     

    _

    Trechos da entrevista de Fernando Lemos para Rubens Fernandes publicada na REVISTA ZUM 11,  em outubro de 2019

  •   

     

  • Fernando Lemos

     foi pintor, gravurista, designer gráfico, fotógrafo e poeta. Viveu no Brasil desde 1952. Em mais de meio século de atividade realizou inúmeras exposições individuais e participou de mostras no Brasil e no exterior, dentre as quais oito edições da Bienal de Arte de São Paulo (1957 - Prêmio Melhor Desenhista Nacional; 1965 - Sala Especial Pintura). Em 1949 iniciou seus primeiros experimentos com fotografia e durante um período de quatro anos realizou uma extensa série de imagens influenciadas pelo surrealismo, da qual se destaca um importante e inovador conjunto de retratos da vanguarda artística e intelectual de Portugal.

    No Brasil, dedicou-se ao trabalho como artista plástico e pontualmente à fotografia, em retratos de artistas e escritores do seu círculo de amizades. Em 2006 Fernando Lemos recebeu o Prêmio Especial de Fotografia - Porto Seguro. Teve mostra retrospectiva de sua obra na Pinacoteca do Estado de São Paulo em 2012. Suas obras fazem parte de importantes coleções como Fundação Calouste Gulbenkian, Museu do Chiado, Fundação Cupertino de Miranda, Museu de Arte Moderna de Moscou, MAM-SP e MAM-RJ, MAC, MASP, Pinacoteca e Instituto Cultural Itaú.

  • Veja mais em "Entre o sonho e a vigília" / More at "Between Dream and Awakeness"

    Veja mais em "Entre o sonho e a vigília" / More at "Between Dream and Awakeness"