Lily Sverner – Para ver sem pressa
RUBENS FERNANDES JUNIOR[05.ago.2016]
Sem dúvida, Lily Sverner é uma artista que pertence a seu tempo; um tempo presente condicionado pelos ecos do passado. Ela vê o mundo sem pressa. Vê e registra seu momento como se buscasse suspender a passagem do tempo. Cada uma das suas fotografias parece muito mais com um fluxo contínuo de lembranças vividas com intensidade. Para ela, a fotografia se tornou uma fantástica ferramenta para exaltar o que surge e desaparece na incrível velocidade cotidiana.
Mas, Lily não tem pressa. Em suas imagens nos deparamos com a interrupção de uma ação em diferentes dias e em diversos territórios. Raramente é explicitado com exatidão o tempo em que suas fotografias foram realizadas. Há algum paralelo com uma ideia de Proust que afirma: “o que as leituras da infância deixam em nós é a imagem dos lugares e dos dias em que as fizemos”.
Para esta mostra, que celebra 30 anos de atividades fotográficas, o que tentamos provocar é um conjunto de sensações que explodem diante dos nossos olhos e fazem reverberar intensamente as diversas interpretações desta obra enigmática. Buscamos estimular uma espécie de encontro de pessoas e objetos que não precisamos decifrar muito menos explicar, porque a ideia é dar visibilidade à vibração de um olhar que busca em cada fotografia, a beleza e a esperança.
Seus flagrantes e seus retratos são momentos que escapam à visão e do senso comum. São instantes característicos do meio fotográfico permeado pela sua visão otimista. Às vezes, notamos imagens com alguma sensualidade, em outras, certa melancolia. Uma fotografia sem tensão. Seu olhar apurado atravessa o cotidiano dos homens e evidencia seu desejo de transformar aquele momento de intensa cumplicidade numa fotografia.
Sua fotografia tem o desejo de se eternizar numa fotografia. Pode parecer redundante, mas são poucos os que conseguem ter tranquilidade para criar imagens que tenham essa singularidade. Ela não tem a intenção de registrar um tempo puro, mas, como lembra Octávio Paz, apenas o tempo que traduzimos como “a iminência imediata do agora”. E isso me parece essencial nestas fotografias.
Como insinuei acima, sua fotografia evoca a vibração espiritual de um olhar ávido e esperançoso. Ela sabe potencializar os momentos intensos, e sabe criar uma rica e sugestiva atmosfera. Imagens reflexivas e, claro profundamente subjetivas. Seu percurso, iniciado na primeira metade da década de setenta, é coerente e vigoroso. O que vemos é um conjunto de imagens inspirado, que não escancara evidências e mantém distância das obviedades.
Mais uma vez recorremos a Marcel Proust, que no clássico O tempo redescoberto lembra que “uma imagem oferecida pela vida nos traz de fato, num momento, sensações múltiplas e diversas. (…) Uma hora não é apenas uma hora, é um vaso repleto de perfumes, de sons, de projetos e de climas. O que chamamos realidade é uma determinada relação entre sensações e lembranças a nos envolverem simultaneamente.”
Para Lily em particular, essa afirmação poderosa, diga-se de passagem, é um indício de que na verdade, o que se busca realmente com a fotografia é demonstrar uma verdadeira admiração pelo natural. Como sabemos, a câmera é uma extensão da visão. Mas não apenas isso, pois ela vê e registra intuitivamente o mundo, sem dispensar jamais o seu profundo repertório cultural e sua experiência de vida. Seu estilo é documental, mas deixa emergir através das suas imagens o amor pela investigação e pelas idiossincrasias da atividade humana.
Lily fixa em suas imagens momentos tão expressivos, que ao nos debruçarmos sobre elas descobrimos novas possibilidades de compreender o mundo em sua humana e rara delicadeza. Ela busca fotografar o mundo tal qual ele se apresenta repleto de mistérios e aventuras, mas em cada imagem notamos um respiro aliviado de esperança, um exato instante que nos surpreende.