Luz Vermelha
Curadoria Diógenes Moura
Exposição de 21 de outubro a 20 de dezembro de 2017
Aviso: Excepcionalmente no dia 2 de dezembro, sábado, a galeria estará fechada.
Entrada franca.
J. A. um adolescente de 17 anos foi assassinado com seis tiros no Canal do Galo, no bairro do Acampamento, em Belém, no Pará, logo ali, no lado Norte das nossas cabeças, depois da esquina invisível que a cidade percebe e que nós, do lado de cá, já estamos bem “acostumados”. O corpo chamou a atenção dos peritos por suas várias tatuagens que clamavam por Deus e faziam alusão a outros crimes cometidos. No meio de dezenas de curiosos, muitas crianças observavam a cena em silêncio.
O fotógrafo Wagner Almeida está diante de mais um corpo com sua câmera-objeto numa experiência diária: das 23h00 às 04h00, desde 2011, o local do crime tornou-se para ele um universo de acontecimentos onde várias pessoas se encontram para observar e experimentar a morte de outra pessoa. Cada corpo sem vida atrai multidões: cada “espectador” trata o acontecimento como se fosse um programa para se reunir com amigos, vizinhos, família. Os sentimentos são diversos: choro, risos, gritos, indiferença, amor e ódio. As imagens do fotógrafo ultrapassam a documentação. É um livro aberto de um Brasil que agoniza.
Apenas duas pessoas lamentavam a morte de J.A. : seus dois avós, que em frente ao corpo contavam baixinho que ele era um menino muito bom, havia sido criado por eles e costumava orar regularmente na igreja Assembléia de Deus quando era criança. A resposta para os que comemoravam o fim de J.A. estava inscrita em suas tatuagens: “Só Deus pode me julgar” e, mais acima, “Amor só de Mãe”.
As fotografias são feitas nas centrais de flagrante que estão espalhadas pela capital e região metropolitana de Belém. Seccional de São Brás, Marituba, Cidade Nova, Icoarací e Marambaia. Esses são os locais onde funciona o plantão da Polícia Civil na madrugada e por onde é feito uma ronda com a equipe do jornal. O fotógrafo tenta passar despercebido. Não consegue. Acaba sendo uma presença importante na cena. Há algo entre angústia e euforia: “Chegou a imprensa. De qual jornal você é?” Nenhum desses personagens que aqui estão foram “produzidos”. Aqui não se trata de um “evento”, essa palavra tétrica. Eles existem na porta das nossas casas, nas esquinas mais adiante, embaixo dos viadutos, por dentro das células vivas que correm no corpo e no sangue dos becos que muitos de nós jamais poderemos imaginar que existem, mas que existem a muito poucos metros da nossa própria existência.
Diógenes Moura Escritor e Curador de Fotografia
Sobre a exposição Luz Vermelha é a primeira exposição do fotógrafo Wagner Almeida em São Paulo. Composta por 33 imagens escolhidas pelo curador Diógenes Moura, sendo algumas delas parte do ensaio de mesmo nome ganhador do segundo lugar da 15ª edição do Prêmio Fundação Conrado Wessel de Arte (Fotografia). Fotógrafo de uma guerra não declarada, ao contrário da maioria dos profissionais que atuam nessa área, Wagner não tem que se deslocar através dos oceanos por milhares de quilômetros para fazer suas fotos, basta sair da redação do jornal para atender alguma ocorrência policial, muitas vezes perto de um dos bairros onde morou. O fotógrafo está atrás da câmera, mas poderia muito bem estar na frente - e isso faz com que a delicadeza, o respeito e a potência com a qual retrata a realidade que o cerca seja mais clara, honesta, colocando-nos frente a frente com a nossa natureza.
Sobre o autor Wagner Almeida vive em Belém e trabalha durante a madrugada até quase o dia raiar fotografando homicídios em toda a região central e nos bairros afastados da cidade. Sua fotografia é um retrato cruel da violência que vem devastando as capitais brasileiras. Com absoluto domínio sobre a realidade do que está diante dos seus olhos, o fotógrafo “enxerga” cada homicídio não como um fato isolado, documental, mas sim como uma sequência, como séries que diariamente vão construindo um discurso que possa ultrapassar a dor, a perda. Wagner Almeida começou a fotografar homicídios em 2008, para o jornal Diário do Pará. Primeiro como repórter fotográfico. Com o passar do tempo descobriu que o que tinha pela frente era um precioso exercício autoral. Tendo acesso aos lugares mais perigosos da cidade, podendo caminhar à vontade, no olho do furacão, registrando coisas que lhe chamavam a atenção.
Sobre o curador Diógenes Moura é escritor, curador de fotografia e editor. Premiado no Brasil e exterior ganhou o Prêmio APCA de Melhor Livro de Contos/Crônicas, em 2010, com Ficção Interrompida - Uma Caixa de Curtas (Ateliê Editorial). No mesmo ano foi finalista do Prêmio Jabuti, na mesma categoria. É autor, entre outros, de Fulana Despedaçou o Verso (Terra Virgem Edições, 2014) e Drão de Roma - Dezembro Caiu (Fundação Casa de Jorge Amado, 2006). Foi Curador de Fotografia da Pinacoteca do Estado de São Paulo entre 1999 e 2013. Atualmente finaliza O Livro dos Monólogos - Recuperação para Ouvir Objetos, com publicação prevista maio de 2018 pela Vento Leste Editora. Curador do GOYAZES, primeiro festival de fotografia de Goiânia (setembro 2017), atualmente trabalha na edição das exposições de Boris Kossoy e Vania Toledo programadas, respectivamente, para Janeiro e Abril de 2018. Livro de Rua, seu trabalho de pesquisa que estabelece ligações profundas entre literatura, imagem e existência e que vem sendo realizado desde 2010 com moradores de rua no bairro dos Campos Elíseos, onde vive, será exibido a partir de 25 de janeiro de 2018, na Galeria Utópica.